existe uma teoria – e aqui entra uns parênteses, expressados através de uns travessões, pra dizer que teoria muito provavelmente é a palavra equivocada pra designar isso – na qual a tragédia é perfeita e tranquila. em antígona, jean anouilh diz: “tragedy is restful; and the reason is that hope, that foul, deceitful thing, has no part in it. there isn’t any hope. you’re trapped. the whole sky has fallen upon you, and all you can do is shout”. e, embora possa ser considerado terapêutico gritar num travesseiro, isso só deixa você com uma garganta doída e um travesseiro amaldiçoado, que ecoa sua própria voz quando você se deita.
mas gritar pode vir de várias formas, e uma maneira de gritar pro vazio neste século é escrever um post num blog. eu até iria ao topo de uma montanha e gritaria para as árvores e a terra, mas tenho certeza que já alcançaria o pico esbaforida. (já atingi muitos cumes exausta.) e há algo de imutável na internet, como na natureza: eu vou gritar mas com a certeza de que as raízes permanecerão tão fincadas e as pedras tão secas e erosivas quanto o buzzfeed lançará um post nostálgico dos anos noventa e o facebook irá sugerir que eu adicione pessoas que eu evito na rua.
e é essa constância, talvez, que sustenta a tragédia. anne carson escreveu, justamente numa adaptação de antígona: “how is a greek chorus like a lawyer? / they’re both in the business of searching for a precedent / finding an analogy / […] so as to be able to say / that terrible thing we’re witnessing now is / not unique you know it happened before / or something more like it / we’re not at loss how to think about this / we’re not without guidance / there is a pattern / we can find an historically parallel case / and file it away under / antigone burned alive friday afternoon”. que de certa forma pode ser interpretado como o agora-nesta-época-primeiramente-fora-temer banal de kafka “a alemanha declarou guerra à rússia – à tarde, natação”. suponho que sempre haverá uma alemanha, uma rússia, e a natação sempre será tão inadiável quanto trivial.
gritar, mas sem um receptor, ou para todos os receptores do mundo – o que é o mesmo. contenha-se. confissões só lhe parecem importantes pois é você a fazê-las; um segredo só faz bem a quem o conta. o único presente do destinatário vai ser o peso enorme das suas palavras, e nada vai mudar pois nada nunca muda. não é um brinde, é o mármore nas costas de sísifo. e, como guilderstern em rosencrantz and guilderstern are dead, de tom stoppard, você pode perguntar “who decides?”, mas a resposta é apenas “decides? it is written. we’re tragedians, you see. we follow directions, there is no choice involved. […] (calling.) positions!".
em suas posições!
+ me incomoda ter escrito esse texto tão presunçosamente repleto de citações inteligentes de peças de teatro e autores renomados – embora eu goste muito delas e tenha a vaidade de achar que todos devem lê-las pois eu gosto muito delas. preciso me redimir com algo tão banal quanto natação e tão enganador como a esperança. preciso dizer que talvez não se careça da tragédia. preciso dizer que talvez não esteja escrito, só porque édipo se enroscou com a própria mãe enquanto fazia de tudo pra evitar se enroscar com a própria mãe, que você inevitavelmente vai morder a sua própria cauda, como um ouroboros que veste abercrombie & fitch. preciso dizer que, na verdade, muitas vezes eu me sinto como quint e talvez sejamos todos quint. talvez apenas necessitemos de barcos maiores. tubarão (1975), steven spielberg.